A Lenda do Lago Paranoá
Ele vivia só, na imensidão do Planalto, ora andando entre o cerrado, ora entre a floresta densa. Jaci, a lua, muitas e muitas noites vinha iluminá-lo, ungindo de tons prateados seu corpo másculo. Amava-o. Paranoá, porém, parecia insensível e distante. Queria a que havia de vir. Quando curumim, um dia dela lhe falara o velho pajé:
— Guardarás teu amor, tua força, teus desvelos, o melhor de tua caça, à bela que Tupã te destinou.
Paranoá crescera, esbelto e ágil, fazendo-se magnífico guerreiro. Descendia dos tapuias, mas sua nação desaparecera, e somente ele permanecia, à espera da que havia de vir. Lembrava-se que o pajé lhe dissera que a sua amada anunciaria sua vinda nos ecos da floresta.
Paranoá esperava, ora o ouvido pegado ao chão, ora o olhar estendido na planura, sem nunca se aperceber de que, quando maior era a solidão, Jaci reaparecia.
Certa tarde, a mata estremeceu. Os ruídos foram-se avolumando. Trovões pareciam ter descido à terra e tudo entrava em convulsão, multiplicando-se os sons, como se a floresta tombasse aos golpes de muitos machados.
— É ela! - exclamou Paranoá, pondo-se alerta.
Sim, era ela. Uma figura alada, fulgurante e bela, mil vezes mais bela que as mulheres de sorriso moreno que conhecera em sua tribo.
A paixão aprisionada durante a espera transbordava agora
em ímpetos incontroláveis. Ante o deslumbramento de Paranoá, a figura excelsa estendeu serenamente as asas, como a querer acolhê-lo.
— És tu a anunciada do pajé? - perguntou Paranoá.
— Sou. Vim para que não vivas mais só - disse ela. - Eu sou
Brasília!
Então, Paranoá, abrindo os braços, fremente de emoção, correu para cingi-la.
Jaci, entretanto, espreitava. Ela, que o acalentara durante a solidão, conformada embora com a sua indiferença, sofria agora, ao perdê-lo para sempre. Quis vê-lo em derradeiro e a sua luz refletiu-se nos olhos do guerreiro. Paranoá deteve-se, num estremecimento. Pela primeira vez, contemplou a meiguice de Jaci e a suave tristeza de sua luz. Só então compreendeu que
amava Jaci, e hesitou. Ante sua vacilação, Tupã irritou-se, condenando-o à imobilidade e convertendo-o num lago, de braços sempre abertos, sem jamais alcançar aquela por quem tanto esperara.
Jaci condoeu-se de Paranoá e, tangida pelo remorso, refugiou-se atrás de uma nuvem.
De quando em vez, Jaci volta. Demora-se sobre o lago e, como a expungir-se de culpa, cobre de prata a sua superfície, ao mesmo tempo que inunda Brasília de luz. E cada vez Jaci regressa chorando orvalho e mentindo às estrelas que assistiu às núpcias de Paranoá e Brasília.
Guido Mondin
Originalmente publicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornal
Correio Braziliense.
Texto extraído da Revista Senatus, edição de abril/2004.
Celebre conosco mais um ano de Brasília ao som de "Cuide Bem do Seu Amor", cantada pelo Paralamas do Sucesso, fruto desta terra vermelha. Acompanhe a letra pelo p´roprio link e confira o vídeo clipe enquanto abraça quem você ame.
— Guardarás teu amor, tua força, teus desvelos, o melhor de tua caça, à bela que Tupã te destinou.
Paranoá crescera, esbelto e ágil, fazendo-se magnífico guerreiro. Descendia dos tapuias, mas sua nação desaparecera, e somente ele permanecia, à espera da que havia de vir. Lembrava-se que o pajé lhe dissera que a sua amada anunciaria sua vinda nos ecos da floresta.
Paranoá esperava, ora o ouvido pegado ao chão, ora o olhar estendido na planura, sem nunca se aperceber de que, quando maior era a solidão, Jaci reaparecia.
Certa tarde, a mata estremeceu. Os ruídos foram-se avolumando. Trovões pareciam ter descido à terra e tudo entrava em convulsão, multiplicando-se os sons, como se a floresta tombasse aos golpes de muitos machados.
— É ela! - exclamou Paranoá, pondo-se alerta.
Sim, era ela. Uma figura alada, fulgurante e bela, mil vezes mais bela que as mulheres de sorriso moreno que conhecera em sua tribo.
A paixão aprisionada durante a espera transbordava agora
em ímpetos incontroláveis. Ante o deslumbramento de Paranoá, a figura excelsa estendeu serenamente as asas, como a querer acolhê-lo.
— És tu a anunciada do pajé? - perguntou Paranoá.
— Sou. Vim para que não vivas mais só - disse ela. - Eu sou
Brasília!
Então, Paranoá, abrindo os braços, fremente de emoção, correu para cingi-la.
Jaci, entretanto, espreitava. Ela, que o acalentara durante a solidão, conformada embora com a sua indiferença, sofria agora, ao perdê-lo para sempre. Quis vê-lo em derradeiro e a sua luz refletiu-se nos olhos do guerreiro. Paranoá deteve-se, num estremecimento. Pela primeira vez, contemplou a meiguice de Jaci e a suave tristeza de sua luz. Só então compreendeu que
amava Jaci, e hesitou. Ante sua vacilação, Tupã irritou-se, condenando-o à imobilidade e convertendo-o num lago, de braços sempre abertos, sem jamais alcançar aquela por quem tanto esperara.
Jaci condoeu-se de Paranoá e, tangida pelo remorso, refugiou-se atrás de uma nuvem.
De quando em vez, Jaci volta. Demora-se sobre o lago e, como a expungir-se de culpa, cobre de prata a sua superfície, ao mesmo tempo que inunda Brasília de luz. E cada vez Jaci regressa chorando orvalho e mentindo às estrelas que assistiu às núpcias de Paranoá e Brasília.
Guido Mondin
Originalmente publicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornal
Correio Braziliense.
Texto extraído da Revista Senatus, edição de abril/2004.
Celebre conosco mais um ano de Brasília ao som de "Cuide Bem do Seu Amor", cantada pelo Paralamas do Sucesso, fruto desta terra vermelha. Acompanhe a letra pelo p´roprio link e confira o vídeo clipe enquanto abraça quem você ame.
Marcadores: Literatura.htm, Mitologia_geral.htm
2 Comentários:
Sem comentários...
Linda... linda....
E eu, infelizmente, não trouxe nenhuma história de minha terra...
Por enquanto...
=)
Um beijo bardo!
Legal, muito legal, hoje de manhã eu vi isso na escola para uma pesquisa! Ajudou muito nela!!
Beijos!!
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