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Bardo da Ordem Druídica Vozes do Bosque Sagrado.

1 de setembro de 2006

Como Surgiu a Noite

    No princípio não havia noite – dia somente havia em todo tempo. A noite estava adormecida no fundo das águas. Não havia animais; todas coisas falavam.
    A filha da Cobra Grande – contam – casara-se com um moço. Esse moço tinha três servos fiéis. Um dia, ele chamou os três servos e disse-lhes:
    — Vão passear, porque minha mulher não quer dormir comigo.
    Os servos foram-se, e então ele chamou sua mulher para dormir com ele. A filha da Cobra Grande respondeu - lhe:
    — ainda não é noite.
    O moço lhe disse:
    — não há noite, somente há dia.
    A moça falou:
    — Meu pai tem noite. Se quiser dormir comigo, mande buscá-la lá, pelo grande rio.
    O moço chamou os três servos. A moça mandou-os à casa de seu pai para trazerem um caroço de tucumã.
    Os servos foram, chegaram à casa da Cobra Grande, esta lhes entregou um caroço de tucumã muito bem fechado e disse-lhes:
    — Aqui está. Levem-no. Eia! Mas não o abram, senão todas as coisas se perderão.
    Os servos se foram, e estavam ouvindo barulho dentro do coco do tucumã. Tem, tem, tem, tem... xi... Era o barulho dos grilos e dos sapinhos que cantavam de noite.
    Quando já estavam longe, um dos servos disse a seus companheiros:
    — Vamos ver que barulho será este?
    O piloto disse:
    — Não, do contrário nos perderemos. Vamos embora, eia, remem!
    Eles se foram e continuaram a ouvir o barulho dentro do coco de tucumã, e não sabiam que barulho era.
    Quando já estavam muito longe, ajuntaram-se no meio da canoa, acenderam fogo, derreteram o breu que fechava o coco e abriram-no. De repente tudo escureceu.
    O piloto disse:
    — nós estamos perdidos; e a moça em sua casa, já sabe que nós abrimos o coco de tucumã!
    E eles seguiram viagem.
    A moça, em sua casa, disse então a seu marido:
    — Eles soltaram a noite; vamos esperar até amanhã.
    Então todas as coisas que estavam espalhadas pelo bosque se transformaram em animais e pássaros. As coisas que estavam espalhadas pelo rio se transformaram em patos e em peixes. Do paneiro gerou a onça; o pescador e sua canoa se transformaram em pato; de sua cabeça nasceram a cabeça e o bico do pato, da canoa, o corpo do pato, dos remos as pernas do pato.
    A filha da Cobra Grande, quando viu a Estrela-d'alva, disse a seu marido:
    — A madrugada vem rompendo. Vou dividir o dia da noite.
    Então ela enrolou fio e disse -lhe:
    — Tu serás cujubim.
    Assim ela fez o cujubim, pintou a cabeça de branco, com tabatinga; pintou suas penas de vermelho com urucum e, então, disse-lhe:
    — Você cantará para todo o sempre quando a manhã vier raiando.
    Ela enrolou o fio, sacudiu cinza em cima dele, e disse:
    — Tu serás inhambu, para cantar nos diversos tempos da noite e de madrugada.
    — De então para cá todos os pássaros cantaram em seus tempos, e de madrugada para alegrar o princípio do dia.
    — Quando os três servos chegaram, o moço lhes disse:
    — Vocês não foram fiéis, abriram o caroço de tucumã, soltaram a noite e todas as coisas se perderam, assim como vocês também, que se metamorfosearam em macacos, andarão para todo o sempre pelos galhos das árvores.
    (A boca preta e a risca amarela que eles têm no braço, dizem que são ainda os sinais do breu que fechava o caroço de tucumã e que escorreu sobre eles quando o derreteram).


Lenda Tupi adaptada por Alexandre Malhado a partir da versão originalmente contada pelo General Couto de Magalhães no livro "O Selvagem" e extraída do "Livro do Aluno – volume 2", também entitulado "Contos Tradicionais, Fábulas, Lendas e Mitos", do Projeto Escola Ativa realizado pela FNDE.

Escute também a música "Return to Innocence", interpretada pelo Enigma, já para entrar no clima indigenísta e aproveitar melhor a sua leitura. Acompanhe a letra e a tradução pelo próprio link e assista também ao vídeo clipe desta música.

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3 Comentários:

Blogger Flor disse...

Ahhh, que história gostosa de ser lida... =)

Estou precisando ler bons livros, deste gênero!

Cuide-se Sr. Malhado...

01 setembro, 2006 21:50  
Blogger Luciana Onofre disse...

También soy tempestad y también siento nostalgia de ti:

TEMPESTADES...ÓTIMO!

Após cada tempestade a calmaria, e o momento de saborear nossa força ao enfrentá-la!
Não desejo não encontrá-la no meu caminho, mas sim saber lidar com ela, e impedir que me devore e engula, desejo saber como repor minhas energias e fortalecer-me com as dela...
Desejo ter a capacidade de deliciar-me com as cores suaves que no meu céu surgem quando a tempestade dá um tempo e me permite respirar...

Bençãos Dela,

Luciana Onofre

03 setembro, 2006 18:31  
Blogger Naty Sartori disse...

Que bonitinha!
Gosto das histórinhas indigenas!
Aliás, Malhado, eu gostaria muito de falar com vc. Se tiver msn e puder me adicionar, agradeço.
nataly_sartori@hotmail.com

Beijos e Bençãos

04 setembro, 2006 10:34  

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